Em Cidade Gaúcha, no Noroeste Paranaense, os pioneiros Fernandez e
Euclides decidiram caçar uma onça que invadiu o chiqueiro de Fernandez e
comeu alguns porcos em 1957. O que os caçadores não esperavam é que a
onça, matreira como era, não cairia tão fácil na emboscada.
Nos anos 1950, Cidade Gaúcha, que surgiu para abrigar migrantes do
Sul do Brasil, era um pequeno vilarejo envolto por mata primitiva. Um
lugar onde a derrubada de mata e as queimadas faziam parte do cotidiano.
Em meio a tal cenário já despontavam as onças, animal que foi
considerado o mais perigoso da fauna noroestina.
Na descrição dos pioneiros de Cidade Gaúcha, eram “enormes gatos” com
um “miado” díspar e grave que ressoava pelo povoado durante a noite e
podia ser ouvido a quilômetros de distância. Chamava atenção pela
estatura, pois grande e pesada ainda conseguia ser veloz. O animal se
pendurava nos galhos das árvores mais altas e lá ficava imóvel por
horas, até o momento oportuno de dar o bote.
Os pioneiros Euclides e Fernandez relataram décadas atrás que era
muito complicado matar uma onça. No entanto, o juízo sempre cedia à
cólera quando um colono chegava em casa e se deparava com alguns de seus
animais mortos ou levados pela felina. Exemplo foi o colono Fernandez
que perdeu parte da criação de porcos para a onça. Irascível, o pioneiro
previu o retorno do animal conhecido por dizimar criações de suínos,
bovinos e equinos.
Fernandez não imaginou outra solução que não caçá-la antes que
levasse o que sobrou da criação. Contou com a parceria do amigo
Euclides, exímio caçador que há muito tencionava eliminá-la. O fato das
baixas nas criações serem sempre provocadas pelo mesmo animal despertou
um misto de ódio, excitação e senso de justiça. Não reconheciam que o
invasor por aquelas bandas era o homem e não a onça.
A caçada mal sucedida
Tudo foi preparado previamente, e no dia seguinte pela manhã,
Euclides e Fernandez, acompanhados de dois cães de caça, se embrenharam
na mata. Depois de percorrerem alguns quilômetros a pé, soltaram os
cachorros para farejarem os rastros da onça. Logo começaram a rosnar e
latir, até que de repente o silêncio tomou conta do lugar. Um dos cães
sumiu e o outro retornou ofegante e assustado. Para Fernandez, só podia
ser um sinal de que a inimiga estava próxima. Ajeitaram os gatilhos das
espingardas e, sem piscar, deram alguns passos até ouvir o som que
emanava dos galhos de uma árvore. Lá estava a felina, como se os
aguardasse, atenta a cada movimento dos caçadores.
Quando Fernandez deu o primeiro tiro o animal saltou. Com as patas,
dilacerou seus braços e ombros – na região da escápula e do úmero. O
estrago foi tão grande que o homem sentiu as garras da onça roçando os
ossos. Para piorar, o gatilho da espingarda de Euclides falhou no
momento do ataque. Desesperado ao vê-la sobre o companheiro, o caçador
tirou uma peixeira da cintura e a golpeou. Mesmo ferida, a felina atacou
os dois braços de Euclides, destruiu a espingarda e depois fugiu pela
mata.
Apesar de muito machucados, os dois foram encontrados por colonos e
levados para o hospital de Rondon. Lá, segundo o frei alemão Ulrico
Goevert, que vivia em Paranavaí, estavam com febre alta e braços e
ombros atados.
Dias depois, os colonos voltaram à rotina. Mas só até a mulher de
Fernandez revelar que a onça levou o seu melhor porco. “A raiva o
cozinhou por dentro. Parecia que a vergonha causada pela onça doía mais
que o ferimento nos ombros”, comentou Frei Ulrico no livro “Histórias e
Memórias de Paranavaí”. À época, o padre estava participando de uma
missão religiosa em Rondon e Cidade Gaúcha.
Uma nova emboscada
Sem pestanejar, Fernandez pegou novamente a espingarda, a municiou e
foi até a casa de Euclides convidá-lo para a caçada. O amigo aceitou,
ajeitou a peixeira na cintura e seguiu o companheiro. De acordo com os
caçadores, era preciso mais cautela porque a onça ferida sempre foge do
perigo. Acompanhados por um cão de caça, seguiram as pegadas do animal e
o avistaram devorando o pernil de um leitão. Rapidamente, Fernandez
puxou o gatilho e acertou o peito da onça que ainda tentou resistir, mas
faleceu.
A primeira coisa que fizeram foi medir a felina. Tinha 2,64m de
comprimento e pesava mais de 100 quilos. Orgulhosos, Fernandez e
Euclides tiraram várias fotos ao lado da onça-pintada morta. “Quando vi a
magnífica pele do animal já curtida brotou em mim o desejo de
pendurá-la no Seminário Carmelitano Teresiano de Vocações Tardias, em
Bamberg [no Estado da Baviera, na Alemanha], para despertar nas novas
gerações de missionários a alegria da caça a onça”, destacou o padre
alemão. A pele da felina foi leiloada por cerca de dois mil cruzeiros e
o dinheiro doado para o Hospital de Rondon que atendia principalmente
os mais pobres.
Saiba Mais
Nos anos 1950, alguns pioneiros pagavam muito dinheiro para caçadores livrarem suas propriedades das onças.
Observação
Como está claro no texto, nem mesmo os mais civilizados tinham consciência de que o homem era o verdadeiro invasor.
Fonte: David Arioch - http://davidarioch.wordpress.com/
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