11/08/2014

A ONÇA GAÚCHA




Em Cidade Gaúcha, no Noroeste Paranaense, os pioneiros Fernandez e Euclides decidiram caçar uma onça que invadiu o chiqueiro de Fernandez e comeu alguns porcos em 1957. O que os caçadores não esperavam é que a onça, matreira como era, não cairia tão fácil na emboscada.
Nos anos 1950, Cidade Gaúcha, que surgiu para abrigar migrantes do Sul do Brasil, era um pequeno vilarejo envolto por mata primitiva. Um lugar onde a derrubada de mata e as queimadas faziam parte do cotidiano. Em meio a tal cenário já despontavam as onças, animal que foi considerado o mais perigoso da fauna noroestina.
Na descrição dos pioneiros de Cidade Gaúcha, eram “enormes gatos” com um “miado” díspar e grave que ressoava pelo povoado durante a noite e podia ser ouvido a quilômetros de distância. Chamava atenção pela estatura, pois grande e pesada ainda conseguia ser veloz. O animal se pendurava nos galhos das árvores mais altas e lá ficava imóvel por horas, até o momento oportuno de dar o bote.
Os pioneiros Euclides e Fernandez relataram décadas atrás que era muito complicado matar uma onça. No entanto, o juízo sempre cedia à cólera quando um colono chegava em casa e se deparava com alguns de seus animais mortos ou levados pela felina. Exemplo foi o colono Fernandez que perdeu parte da criação de porcos para a onça. Irascível, o pioneiro previu o retorno do animal conhecido por dizimar criações de suínos, bovinos e equinos.
Fernandez não imaginou outra solução que não caçá-la antes que levasse o que sobrou da criação. Contou com a parceria do amigo Euclides, exímio caçador que há muito tencionava eliminá-la. O fato das baixas nas criações serem sempre provocadas pelo mesmo animal despertou um misto de ódio, excitação e senso de justiça. Não reconheciam que o invasor por aquelas bandas era o homem e não a onça.

A caçada mal sucedida

Tudo foi preparado previamente, e no dia seguinte pela manhã, Euclides e Fernandez, acompanhados de dois cães de caça, se embrenharam na mata. Depois de percorrerem alguns quilômetros a pé, soltaram os cachorros para farejarem os rastros da onça. Logo começaram a rosnar e latir, até que de repente o silêncio tomou conta do lugar. Um dos cães sumiu e o outro retornou ofegante e assustado. Para Fernandez, só podia ser um sinal de que a inimiga estava próxima. Ajeitaram os gatilhos das espingardas e, sem piscar, deram alguns passos até ouvir o som que emanava dos galhos de uma árvore. Lá estava a felina, como se os aguardasse, atenta a cada movimento dos caçadores.
Quando Fernandez deu o primeiro tiro o animal saltou. Com as patas, dilacerou seus braços e ombros – na região da escápula e do úmero. O estrago foi tão grande que o homem sentiu as garras da onça roçando os ossos. Para piorar, o gatilho da espingarda de Euclides falhou no momento do ataque. Desesperado ao vê-la sobre o companheiro, o caçador tirou uma peixeira da cintura e a golpeou. Mesmo ferida, a felina atacou os dois braços de Euclides, destruiu a espingarda e depois fugiu pela mata.

Apesar de muito machucados, os dois foram encontrados por colonos e levados para o hospital de Rondon. Lá, segundo o frei alemão Ulrico Goevert, que vivia em Paranavaí, estavam com febre alta e braços e ombros atados.
Dias depois, os colonos voltaram à rotina. Mas só até a mulher de Fernandez revelar que a onça levou o seu melhor porco. “A raiva o cozinhou por dentro. Parecia que a vergonha causada pela onça doía mais que o ferimento nos ombros”, comentou Frei Ulrico no livro “Histórias e Memórias de Paranavaí”. À época, o padre estava participando de uma missão religiosa em Rondon e Cidade Gaúcha.

Uma nova emboscada

Sem pestanejar, Fernandez pegou novamente a espingarda, a municiou e foi até a casa de Euclides convidá-lo para a caçada. O amigo aceitou, ajeitou a peixeira na cintura e seguiu o companheiro. De acordo com os caçadores, era preciso mais cautela porque a onça ferida sempre foge do perigo. Acompanhados por um cão de caça, seguiram as pegadas do animal e o avistaram devorando o pernil de um leitão. Rapidamente, Fernandez puxou o gatilho e acertou o peito da onça que ainda tentou resistir, mas faleceu.
A primeira coisa que fizeram foi medir a felina. Tinha 2,64m de comprimento e pesava mais de 100 quilos. Orgulhosos, Fernandez e Euclides tiraram várias fotos ao lado da onça-pintada morta. “Quando vi a magnífica pele do animal já curtida brotou em mim o desejo de pendurá-la no Seminário Carmelitano Teresiano de Vocações Tardias, em Bamberg [no Estado da Baviera, na Alemanha], para despertar nas novas gerações de missionários a alegria da caça a onça”, destacou o padre alemão.  A pele da felina foi leiloada por cerca de dois mil cruzeiros e o dinheiro doado para o Hospital de Rondon que atendia principalmente os mais pobres.

Saiba Mais

Nos anos 1950, alguns pioneiros pagavam muito dinheiro para caçadores livrarem suas propriedades das onças.

Observação

Como está claro no texto, nem mesmo os mais civilizados tinham consciência de que o homem era o verdadeiro invasor.

Fonte: David Arioch - http://davidarioch.wordpress.com/